terça-feira, 9 de setembro de 2008

Ou o Estado age ou o caos impera...

As recentes matérias divulgadas pela mídia noticiando a guerra que esta sendo travada entre policiais e traficantes e que, como toda guerra, faz sua vitimas inocentes, leva ao questionamento do como encontrar respostas ou saídas para o insano, a brutalidade, a selvageria. O espanto e a perplexidade são as únicas armas que nos restam diante da tragédia, do atroz, do mal radical?A crueldade dos crimes, o silêncio da sociedade e a omissão dos governos levam à constatação de que, no íntimo, cada indivíduo fica apenas rezando para que não aconteça consigo e com seus familiares o que ocorre com os seus vizinhos.

Nesse sentido, com relação à vitimização de policiais, o Brasil apresenta dados compatíveis aos de países conflagrados por guerras civis. Por ano, segundo dados da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar de São Paulo, cerca de 2.160 policiais militares são assassinados e feridos em todo país, o que nos coloca no primeiro lugar mundial em número de policiais vitimados por criminosos.

Na Bahia, o quadro de violência que assola a nossa Capital e sua região metropolitana vem de longa data, embora, ultimamente, tenha adquirido os contornos inusitados de uma guerra particular travada entre integrantes de quadrilhas organizadas ou não tão organizadas assim e entre estes e policiais militares. Só este ano 23 policiais militares foram assassinados.
No Brasil, particularmente na Bahia, mortes de policiais, de “milicianos”, de criminosos e de moradores das “favelas” são mortes anunciadas e toleradas nessa guerra, alimentada pela exclusão social, econômica e educacional, às quais o Estado, o Governo e a sociedade, no fundo, conferem muito pouco valor afinal as baixas ocorrem basicamente na “infantaria” e na “periferia”.

Policiais mortos em serviço não são considerados heróis neste país. Feridos, disputam vagas em UTI e penam para custear suas despesas com medicamentos. Mortos, dependem da solidariedade dos colegas, da ajuda de familiares ou de arranjos administrativos feitos pela corporação, para terem um funeral, no mínimo, decente.

Os cidadãos precisam entender que a vitimização de agentes do Estado, no exercício da profissão, merece, no mínimo, o nosso pesar. Não se pode aceitar a banalização das mortes de policiais. Um policial morto em defesa da sociedade deveria ter seu nome lembrado como herói e seus feitos gravados em rocha no panteão da história.

Cuida-se aqui dos policiais que morrem como mártires, pois, há os que são mortos por bandidos por se encontrarem envolvidos com a criminalidade ou por enfrentá-los no local onde residem, em circunstancias que precisam ser melhor investigadas pelas Corregedorias e pelo Ministério Público, pois, segurança clandestina ou “milícias” formadas por policiais e ex-policiais, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e militares, seja como movimento de reação, tentando resgatar sua dignidade e ao mesmo tempo proteger a si mesmo, a sua família e a comunidade, seja com objetivos financeiros e/ou políticos, não podem ser entendidas como uma atividade complementar aos serviços da polícia, posto que ilegais.

Sob este prisma, a crise aponta para algo mais profundo, mais assustador e mais grave e que talvez conscientize o governo estadual da necessidade de se reestruturar a segurança pública na Bahia: onde o Estado não mantém o controle e a ordem social, a morte de delinqüentes pode ser vista como sinal de eficácia do sistema punitivo; economia nos gastos com aprisionamento e reforço do conceito de autoridade. Por outro lado, as mortes de policiais, tornam-se instrumentais ao crime porque confrontam o estado, combatem o sistema punitivo, causam baixas às forças da lei e da ordem abatendo o seu moral e reforçam o poder de comando das forças ilegais.

Se os agentes da lei são alvo da violência e da criminalidade; se o Estado não tem condições de oferecer proteção aos policiais, seja no exercício da profissão ou no cotidiano de suas vidas, que dizer da população civil?

Em um contexto de anomia que tem sua gênese na ineficácia do Estado em manter o controle e a ordem social, materializa-se duas situações graves e complexas: uma visível, no plano do cotidiano, a perpetuação do modelo de segurança pública baseado numa visão de guerra que aprofunda o ódio social e fragiliza a autoridade policial; e a outra invisível, mas não menos letal: a desmotivação, a omissão e o perigo de uma ideologia de que a autoridade e o respeito às forças policiais só podem ser recuperados através da força, da eliminação do inimigo; o que culmina, não raro, nos desvios de conduta.

Os policiais se queixam das condições de trabalho e da inércia da cúpula da segurança pública em traçar estratégias para desarticular as quadrilhas que praticam atentados contra componentes da PM e da Civil, as ameaças à segurança e à governabilidade são graves e não devem ser subestimadas. Faz-se necessária uma resposta, mas quem a dará?

Antonio Jorge Ferreira Melo


Coronel PMBA R/R Graduado em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Estado da Bahia e em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Gestão de Segurança Pública e em Direitos Humanos e Mediação pela Universidade do Estado da Bahia. Especialista em Políticas e Gestão de Segurança Pública. Mestrando em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia. Professor e pesquisador da RENAESP ( Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública) e do PROGESP- UFBA (Programa de Estudos, Pesquisas e Formação em Políticas e Gestão de Segurança Pública) atuando nos seguintes temas: Direitos Humanos, Uso Legal da Força, Segurança Pública, Gestão de Conflitos e Mediação, Práticas de Prevenção da Violência e Gestão de Segurança em Espaços Públicos e Semi-Públicos. Membro do grupo gestor do PROCEDH - Programa de Capacitação e Educação em Direitos Humanos do Ministério Público do Estado da Bahia

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